Baseado em fatos reais e no romance biográfico da escritora tutsi Scholastique Mukasonga, o filme "Nossa Senhora do Nilo", lançado no Brasil pela Pandora Filmes, estreia dia 05 de janeiro nos cinemas. O longa narra a história de meninas da elite ruandesa, de etnias tutsi e hutu, que estudam juntas numa conservadora escola católica na década de 1970, vivendo sob o rígido controle de uma ideologia colonial, racista e machista. Com direção de Atiq Rahmi, "Nossa Senhora do Nilo" foi premiado com o Urso de Cristal da Mostra Generation 14Plus no Festival de Berlim 2020. O livro homônimo foi publicado no Brasil pela editora Nós.
Para entender o filme é importante saber o contexto dos acontecimentos históricos. Ruanda é um pequeno país da África centro-oriental, inicialmente colonizado por alemães no final do século XIX e, posteriormente, por belgas, a partir de 1910. A rivalidade entre etnias tutsi, hutu e twa remontam à formação do Reino de Ruanda, no século XVIII, mas foi intensificada pelos neocolonizadores europeus favorecendo os tutsis como a classe privilegiada, a partir de 1930. Durante o processo de descolonização liderado pelos hutus, na década de 1950, que resultou na Revolução Ruandesa, em 1959, e na independência do país, em 1962, os tutsi começaram a ser perseguidos. Nesse período cresce um movimento de supremacia hutu fazendo com que milhares se refugiassem nos países vizinhos, principalmente Uganda e Burundi. O filme se passa no ano de 1973, um pouco antes do golpe militar do ditador hutu Juvénal Habymariana, que iniciou uma guerra civil no país.
O diretor Atiq Rahmi divide a narrativa do filme em quatro momentos: a inocência, o sagrado, o sacrilégio e o sacrifício. Apresenta o cotidiano das meninas, filhas de políticos influentes e famílias abastadas, que viviam sob o regime de internato escolar, distante da realidade sócio-política do país. Destaca ainda o forte processo de aculturação promovido na região pelos belgas e, principalmente, pela igreja católica francesa; a discriminação e os conflitos identitários refletidos nas meninas do instituto; o aumento da tensão entre as etnias tutsi e hutu; e os eventos que se seguiram com a eclosão do golpe militar e a perseguição sangrenta dos tutsis.
A ditadura de Habymariana governou Ruanda nas décadas de 1970 e 1980 com o apoio da França e da Bélgica. Com a crise econômica e a pressão internacional para a democratização do país, os tutsi refugiados em Uganda organizados em milícias armadas iniciam uma luta para tomar o poder entre 1990 e 1993. Com a assinatura de um acordo, o retorno dos tutsi a Ruanda e a promessa de novas eleições, o presidente foi acusado de traidor pelos extremistas hutus. O assassinato de Habymariana num atentado ao avião em que estava quando voltava da Tanzania foi o pretexto para o genocídio de 1994 contra a população de etnia tutsi, com quase 800 mil mortos. Uma contraofensiva das milícias tutsi resultaram cerca de 60 mil mortos hutus. Estima-se que mais de um milhão de pessoas tenham sido assassinadas no período da guerra civil de 1990 a 1994.
O cineasta afegão revelou que teve dificuldades para encontrar jovens atrizes e que promoveu um workshop em Kigali, capital de Ruanda, onde realizou a seleção para o filme. Ele afirmou que a obra da escritora Scholastique Mukasonga o fascina pela relação entre a violência e o sagrado: "Tanto Ruanda quanto o Afeganistão, nos anos de 1970, estão sob um regime totalitário. Não são as pessoas que decidem o sistema político, mas uma elite e os tecnocratas. O genocídio de 1994 não aconteceu de repente, mas suas origens estão em 1959, quando a monarquia foi deposta, e depois em 1973 com a perseguição às elites e aos intelectuais".
Apesar de narrar fatos trágicos da história de Ruanda, o longa apresenta momentos de suavidade e beleza, mostrando o despertar da adolescência, a relação entre o sagrado e o profano, entre o ser humano e a natureza, assim como o universo mágico e místico da cultura ruandesa. Com boas interpretações, "Nossa Senhora do Nilo" é um filme que vale a pena conferir.
Elisabete Estumano Freire
Ficha Técnica
Direção: Atiq Rahimi
Roteiro: Atiq Rahimi e Ramata-Toulaye Sy, baseado no livro homônimo de Scholastique Mukasonga
Produção: Charlotte Casiraghi, Marie Legrand, Rani Massalha, Dimitri Rassam
Elenco: Santa Amanda Mugabekazi, Albina Sydney Kirenga, Angel Uwamahoro, Clariella Bizimana, Belinda Rubango Simbi, Pascal Greggory
Direção de Fotografia: Thierry Arbogast
Desenho de Produção: Françoise Joset
Montagem: Hervé de Luze
Gênero: drama, histórico
País: França, Bélgica, Ruanda, Mônaco
Ano: 2021
Duração: 93 min.
Estreia: 05/01/2023
Lançamento: Pandora Filmes.
Fontes:
Entrevista de Atiq Rahimi - Sinny Assessoria/ Pandora Filmes
Guerra Civil em Ruanda <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/guerra-civil-ruanda.htm>
Neocolonialismo na África <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/neocolonialismo-na-africa.htm>
Conflitos Tutsis x Hutus <https://www.facom.ufba.br/com112_2000_1/geo_on_line/tutsis_hutus.htm>
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