Filme ficará disponível gratuitamente em Canal do Youtube
O documentário "Pulsão", dirigido por Di Florentino com pesquisa e roteiro de Sabrina Demozzi, lançado virtualmente no dia 04 de setembro, e atualmente em cartaz em plataforma streaming, realiza uma análise do intenso uso das tecnologias da informação e comunicação nas transformações do atual cenário político brasileiro. Com uma narrativa dinâmica, o filme retoma fatos políticos e usa conceitos da metapsicologia freudiana e da Teoria das Redes para demonstrar como a utilização de fake news dividiram politicamente o país, com graves reflexos na democracia brasileira.
O roteiro enfoca o desenvolvimento do ativismo político digital no Brasil, principalmente a partir de 2013 com "as jornadas de junho" até o período do processo político eleitoral de 2018. Também enfatiza o surgimento de novos atores sociais no cenário político nacional e a preocupação com o crescimento dos movimentos de extrema direita no país e no mundo.
De acordo com Di Fiorentino, "Pulsão" surgiu após o registro e transmissão ao vivo nas redes sociais do evento de resistência "Circo da Democracia", realizado em Curitiba, em 2016. "Como
o material é muito importante historicamente, a gente queria
transformá-lo em um longa documental. Portanto, em conversas com os
envolvidos na concepção da obra e uma vontade de tratar de temas
que estavam aflorando na época, como é o caso dos efeitos da
desinformação nas redes sociais e do uso dos algoritmos para
disseminar o ódio, surgiu o Pulsão".*
Para além dos eventos de resistência a favor da Democracia, o documentário faz uma análise sobre as narrativas de produtos culturais, que apresentaram um discurso panfletário de combate à corrupção, misturando realidade e ficção para demonizar a esquerda, principalmente o Partido dos Trabalhadores (PT), e construir heróis e mitos da extrema direita. Também aponta que, entre 2013 e 2018, vários acontecimentos políticos no Brasil acabaram por provocar o afloramento dos impulsos de destruição e desejos de dominação que foram amplamente propagados nas mídias e nas redes sociais. Argumentam que a apropriação da psiquê pela tecnologia vem transformando as relações sociais e o modo de fazer política no país.
As Teorias das Redes na Internet
O roteiro do filme trabalha com elementos das teorias das Sociedades em Rede e das Redes Sociais na Internet, muito difundida no Brasil por obras de autores como o espanhol Manuel Castells e a brasileira Raquel Recuero. Aborda as fakes news e a dinâmica da construção de identidades fakes no ciberespaço, assim como o uso intensivo de aplicativos e plataformas privadas como o facebook, o twitter e o whatsapp, que transformaram o modo de consumo das narrativas de cunho político.
Castells, autor de "A sociedade em Rede","A Galáxia da Internet" e "Ruptura, a crise da Democracia Liberal", discorre em seus trabalhos sobre a cultura da internet e as transformações na sociedade da era digital. Destaca que, atualmente, vivemos uma crise da legitimidade política, um colapso gradual do modelo político de representação e governança decorrente de uma desconfiança nas instituições, constituindo uma ruptura entre governantes e governados. O sociólogo espanhol, que esteve em julho de 2019 no Brasil para participar do Seminário "Comunicação, Política e Democracia" realizado pela Fundação Getúlio Vargas, alertou para o papel decisivo e transformador da tecnologias da comunicação e informação na construção das relações de poder.
Já Raquel Recuero, autora de "Redes Sociais na Internet" e "A conversação em Rede", pesquisa a dinâmica das Redes e como se processa a difusão da informação dentro das comunidades virtuais. De acordo com a jornalista e pesquisadora, as informações circulam nas redes sociais com base na percepção de valor gerada pelos atores sociais, ou seja, pelo seu capital social. Quando esses atores fazem circular mais informação na rede, maior é sua reputação perante os demais membros do grupo. Deste modo, as redes sociais se apresentam como fontes produtoras de informação, filtros ou espaços de reverberação de informações, gerando mobilizações que podem ser de interesse jornalístico. Há difusão, mas também discussão e ampliação das informações. Entretanto, as redes também podem refletir interesses individuais e de grupos sociais resultando, em muitos casos, na produção e circulação das "cascatas de fake news políticas", com narrativas que ecoam preconceitos e visões de mundo dos atores sociais.
O filme traz essa visão, de como essas notícias falsas ecoaram de forma negativa no imaginário dos eleitores, criando sentimentos de repulsa e destruição aos que não compartilhavam da mesma opinião. O surgimento de movimentos extremistas que incentivavam a intolerância e o uso da violência contra os adversários políticos fragilizaram os alicerces da democracia brasileira.
O conceito de Pulsão na Psicanálise
Quando Freud apresentou o conceito de Pulsão, em seu artigo 'A pulsão e seus destinos', na década de 1910, jamais poderia imaginar que, um século depois, o mundo viveria a era da internet e das redes sociais e que este conceito traduziria tão bem as interações sociais da contemporaneidade, a partir dos estímulos provocados pela influência das mídias digitais e das redes sociais da internet na política.
Pulsão (do alemão, Trieb) seria uma força constante, com origem corporal, percebida como um estímulo para o psíquico, presente através da representação e do afeto. Quando a representação se despreende do afeto teríamos o recalque, que seria uma reação de defesa psíquica contra conteúdos que causam desprazer. O pai da psicanálise considerava a pulsão como uma entidade mítica equivalente ao conceito de força motriz, da física. O primeiro dualismo pulsional situava as pulsões como as do ego, movidas pela autopreservação do eu, e as sexuais, que operavam para a obtenção de prazer. O sentimento de ódio, o desejo de destruição e a indiferença ao outro seria resultante da relação do ego com os objetos do mundo externo.
Os cineastas trabalharam com o conceito freudiano de pulsão, trazendo a perspectiva dos desejos de destruição e de dominação por parte de uma elite econômica descontente em perder privilégios, com ânsias para retomar o poder político, em detrimento de uma política dos governos de esquerda voltada para os avanços sociais. O golpe contra a então Presidente Dilma Roussef e a avalanche de fake news nas redes sociais e na mídia tradicional foi decisiva para desestabilizar o país até o processo político eleitoral de 2018. O documentário mostra essa relação de consumo de potenciais eleitores com esse tipo de ativismo digital, sem compromisso com a ética, que ganhou força no país.
O documentário "Pulsão", uma realização da Produtora Trópico, ficará disponível por tempo indeterminado no site ou no Youtube do filme.
Elisabete Estumano Freire
* Trecho de entrevista com os diretores do filme disponibilizada pela produtora Trópico e Espaço Z. Fonte: Vanessa Assis.
** Também foram consultados os seguintes textos: "Cascatas de Fake News Políticas: um estudo de caso no Twitter" - Raquel Recuero e Anatoliy Gruzd; "Redes Sociais na Internet, Difusão de Informação e Jornalismo: elementos para a discussão" - Raquel Recuero; "Pulsões e seus destinos" (1915) - Laboratório de ensino. Flávia Lana Garcia de Oliveira; "O conceito de Pulsão na Psicanálise Freudiana: considerações a partir da filosofia de Martin Heidegger" - Jilvania de Jesus Barbosa, Caroline Vasconcelos Ribeiro.
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