A cinebiografia "Simonal" finalmente chega aos cinemas. O longa que narra a trajetória de um dos cantores brasileiros mais populares das décadas de 1960 e 1970, marca a estreia de Leonardo Domingues como diretor.
O filme, em cartaz desde 08 de agosto, mostra a trajetória do rei da pilantragem: do início da carreira, quando era integrante da desconhecida banda "Dry Boys", até o auge, comandando uma plateia de 30 mil pessoas no show de abertura do cantor Sérgio Mendes, no Maracanãzinho, em 1969. Transformado em garoto propaganda da Shell, multinacional do Petróleo, no Brasil, Wilson Simonal começa uma carreira internacional. Entretanto, todo esse sucesso seria interrompido quando o artista é acusado de envolvimento com a ditadura militar brasileira. O cantor ganhou a alcunha de "dedo-duro" da classe artística, após ser incriminado como o responsável pelo sequestro e tortura de seu ex-contador por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Com um incontestável domínio da plateia, Simonal foi considerado o primeiro showman brasileiro. Dono de uma voz potente e de um carisma inigualável, ele transitava por vários gêneros musicais, do "tcha tcha tcha" ao blues, jazz e bossa nova, fugindo ao padrão do negro sambista. Seu sucesso estrondoso incomodava a crítica.
O diretor Leonardo Domingues que trabalhou na pós-produção do documentário "Ninguém sabe o duro que dei", de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, quis resgatar a história de Simonal para um público maior, que não conheceu o artista: "Acho que pode ser uma justiça por tudo o que aconteceu com ele. É claro que o Simonal também teve a culpa dele. Ele cometeu os seus erros. Mas, o que aconteceu é que em cima disso criaram uma fofoca, foi como se fosse uma "fake news". De certa forma fomos percebendo que o filme tem contemporaneidade com muita coisa que vivemos nos dias de hoje."
De acordo com Fabrício Boliveira, que interpreta o cantor no filme: "Acho que teve um lance de ingenuidade, mas também aconteceu um racismo ali. Muita gente famosa esteve ligada ao governo na época da Ditadura Militar, mas com ele foi tudo muito cruel. Li um livro de Bôscoli que fala isso. No final de um texto enorme, ele fala que o Brasil foi injusto mais uma vez com um negro, dessa vez com Simonal. Era muito forte ser um homem muito rico e poderoso na década de 60 e também ser negro. Acho que a ignorância pairava naquele instante ao ver aquele cara sem poder dominá-lo. O Simonal foi uma potência muito grande e acho que uma figura como ele faz falta até hoje."
De origem humilde, o artista enaltecia a negritude através de canções e performances. O filme enfatiza que o artista denunciava o racismo no Brasil e falava em luta pelos direitos civis em suas apresentações. A composição "Tributo a Martin Luther King", em parceria com Ronaldo Bôscoli, havia colocado o artista na mira da polícia política. De acordo com o roteiro, o grande erro de Simonal, que havia servido no exército, foi tentar driblar a sua situação no DOPS e utilizar sua influência para um acerto de contas.
Boliveira revela que fez uma extensa preparação para viver o personagem: "Optei por não ir no caminho da imitação, porque no filme o Simonal aparece em diversas situações e eu tinha que saber desenvolver mais do que a gente tem em registros dele. O que nós temos do Simonal é a persona construída. Mas por dentro dessa persona, quem era esse cara? Como ele era de verdade? A partir dos filhos consegui construir um pouquinho mais disso."
O filme é narrado em flashback, com um recorte da ascensão do artista, o auge e sua derrocada, quando todas as portas do meio artístico lhe foram fechadas. O cuidado com a fotografia é um dos pontos fortes da cinebiografia. Segundo Leonardo Domingues, para contar essa história, a equipe optou por marcar as fases da carreira de Simonal através das cores e da fotografia
Segundo Ísis Valverde, que interpreta Tereza, a primeira esposa do cantor, a construção da personagem foi feita a partir do contato com a família de Simonal, principalmente as conversas que teve com os filhos: "Quando eu li o roteiro, vi que a Tereza era como se fosse uma extensão dele. Tem o ditado que diz que por trás de um grande homem existe uma grande mulher. Acho que ela era bem por aí. Esse filme aborda muito a relação dos dois, o amor, o companheirismo e também sobre como eles enfrentaram as dificuldades. A Tereza foi uma mulher à frente do seu tempo, ousada e sedutora (...). Os filhos falaram que a relação deles era fogo ou trovoada".
Para o ator Caco Ciocler, que interpreta SANTANA, um agente do DOPS que possui relações com Simonal, a importância de trazer esta história para os cinemas é também narrar uma época conturbada, fazendo uma reflexão sobre o atual momento político que o país vive: "Primeiro a importância de sempre relembrar nossos artistas para as antigas gerações e apresentá-los para as novas. Para além disso, acho que a importância está na série de paralelos que a história de Simonal traça com os dias de hoje. Na época da Ditadura, o Brasil vivia esse racha social. Se você é de direita ou de esquerda, não existe uma interseção entre esses dois mundos. É quase como um time. Quer dizer, mais importante do que o que você pensa é que time que você joga ou torce. Acho que hoje estamos vivendo algo parecido com o que acontecia nesse período. Também tem a própria discussão do preconceito, que ainda avassala nosso país".
Se Simonal foi um dos artistas brasileiros que flertou com o regime civil-militar, seu crime maior foi ter envolvimento com a polícia política. O episódio do sequestro e tortura de seu ex-contador por agentes do DOPS era algo muito grave para ser esquecido.
Simonal morreu em 2000, no completo ostracismo e vítima de cirrose hepática. Em 2003, após a abertura de um processo, a pedido da família, junto a Comissão de Direitos Humanos da OAB, foi constatado que não havia nenhum registro de que o cantor tenha sido colaborador dos órgãos de repressão da Ditadura Militar. O cantor foi moralmente reabilitado em julgamento simbólico, em 2003.
Elisabete Estumano Freire
***Os depoimentos foram extraídos de Press Kit de divulgação do filme "Simonal" distribuído pela Atômica.
Com um incontestável domínio da plateia, Simonal foi considerado o primeiro showman brasileiro. Dono de uma voz potente e de um carisma inigualável, ele transitava por vários gêneros musicais, do "tcha tcha tcha" ao blues, jazz e bossa nova, fugindo ao padrão do negro sambista. Seu sucesso estrondoso incomodava a crítica.
O diretor Leonardo Domingues que trabalhou na pós-produção do documentário "Ninguém sabe o duro que dei", de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, quis resgatar a história de Simonal para um público maior, que não conheceu o artista: "Acho que pode ser uma justiça por tudo o que aconteceu com ele. É claro que o Simonal também teve a culpa dele. Ele cometeu os seus erros. Mas, o que aconteceu é que em cima disso criaram uma fofoca, foi como se fosse uma "fake news". De certa forma fomos percebendo que o filme tem contemporaneidade com muita coisa que vivemos nos dias de hoje."
De acordo com Fabrício Boliveira, que interpreta o cantor no filme: "Acho que teve um lance de ingenuidade, mas também aconteceu um racismo ali. Muita gente famosa esteve ligada ao governo na época da Ditadura Militar, mas com ele foi tudo muito cruel. Li um livro de Bôscoli que fala isso. No final de um texto enorme, ele fala que o Brasil foi injusto mais uma vez com um negro, dessa vez com Simonal. Era muito forte ser um homem muito rico e poderoso na década de 60 e também ser negro. Acho que a ignorância pairava naquele instante ao ver aquele cara sem poder dominá-lo. O Simonal foi uma potência muito grande e acho que uma figura como ele faz falta até hoje."
De origem humilde, o artista enaltecia a negritude através de canções e performances. O filme enfatiza que o artista denunciava o racismo no Brasil e falava em luta pelos direitos civis em suas apresentações. A composição "Tributo a Martin Luther King", em parceria com Ronaldo Bôscoli, havia colocado o artista na mira da polícia política. De acordo com o roteiro, o grande erro de Simonal, que havia servido no exército, foi tentar driblar a sua situação no DOPS e utilizar sua influência para um acerto de contas.
Boliveira revela que fez uma extensa preparação para viver o personagem: "Optei por não ir no caminho da imitação, porque no filme o Simonal aparece em diversas situações e eu tinha que saber desenvolver mais do que a gente tem em registros dele. O que nós temos do Simonal é a persona construída. Mas por dentro dessa persona, quem era esse cara? Como ele era de verdade? A partir dos filhos consegui construir um pouquinho mais disso."
Segundo Ísis Valverde, que interpreta Tereza, a primeira esposa do cantor, a construção da personagem foi feita a partir do contato com a família de Simonal, principalmente as conversas que teve com os filhos: "Quando eu li o roteiro, vi que a Tereza era como se fosse uma extensão dele. Tem o ditado que diz que por trás de um grande homem existe uma grande mulher. Acho que ela era bem por aí. Esse filme aborda muito a relação dos dois, o amor, o companheirismo e também sobre como eles enfrentaram as dificuldades. A Tereza foi uma mulher à frente do seu tempo, ousada e sedutora (...). Os filhos falaram que a relação deles era fogo ou trovoada".
Para o ator Caco Ciocler, que interpreta SANTANA, um agente do DOPS que possui relações com Simonal, a importância de trazer esta história para os cinemas é também narrar uma época conturbada, fazendo uma reflexão sobre o atual momento político que o país vive: "Primeiro a importância de sempre relembrar nossos artistas para as antigas gerações e apresentá-los para as novas. Para além disso, acho que a importância está na série de paralelos que a história de Simonal traça com os dias de hoje. Na época da Ditadura, o Brasil vivia esse racha social. Se você é de direita ou de esquerda, não existe uma interseção entre esses dois mundos. É quase como um time. Quer dizer, mais importante do que o que você pensa é que time que você joga ou torce. Acho que hoje estamos vivendo algo parecido com o que acontecia nesse período. Também tem a própria discussão do preconceito, que ainda avassala nosso país".
Se Simonal foi um dos artistas brasileiros que flertou com o regime civil-militar, seu crime maior foi ter envolvimento com a polícia política. O episódio do sequestro e tortura de seu ex-contador por agentes do DOPS era algo muito grave para ser esquecido.
Simonal morreu em 2000, no completo ostracismo e vítima de cirrose hepática. Em 2003, após a abertura de um processo, a pedido da família, junto a Comissão de Direitos Humanos da OAB, foi constatado que não havia nenhum registro de que o cantor tenha sido colaborador dos órgãos de repressão da Ditadura Militar. O cantor foi moralmente reabilitado em julgamento simbólico, em 2003.
Elisabete Estumano Freire
***Os depoimentos foram extraídos de Press Kit de divulgação do filme "Simonal" distribuído pela Atômica.
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