Dirigido por Adam Mckay, o filme A GRANDE APOSTA, baseado em fatos reais, narra a história de alguns investidores de Wall Street que perceberam a fragilidade do sistema financeiro sustentado pelo mercado imobiliário norte-americano e de como ganharam muito dinheiro com a crise econômica mundial, em setembro de 2008.
Inspirado no livro A JOGADA DO SÉCULO, de Michael Lewis, o longa apresenta a trajetória de quatro personagens centrais, interpretados por Brad Pitt, Steve Carell, Ryan Gosling e Christian Bale, que perceberam uma bolha especulativa, sustentada pela compra e venda de hipotecas, através da facilidade de crédito a clientes de alto risco, sem garantias reais. A elevação do preço dos imóveis e das taxas de juros (variáveis) dos títulos resultou em um calote generalizado. Num efeito dominó, a “crise dos subprimes” que começou nos Estados Unidos gerou uma grave recessão em países da Europa como Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, com reflexos em todo o mundo. Para muitos economistas, a crise mundial de 2008 é somente comparável a grande depressão de 1929.
O filme transita entre a ficção e o documentário, apresentando as transformações da economia estadunidense até a virada do século XXI, contextualizando a política, a revolução tecnológica e o american way-of-life. Tudo começa com a história de Lewis Ranieri, sócio fundador da Salomon’s Brothers, que inovou o mercado financeiro ao criar títulos lastreados em hipotecas, tornando-se a menina dos olhos em Wall Street. Trinta anos depois, essas operações financeiras, aparentemente seguras, tornariam-se uma bomba relógio. Numa linguagem de videoclipe, com cortes rápidos, o diretor faz a retrospectiva de uma época, embalada pela cultura pop e seus ícones, passando pelo rap, o hip-hop, o som da banda de rock Nirvana e da então queridinha da América, Britney Spears. A narrativa, apesar de seguir uma linearidade cronológica, usa e abusa dos lapsos temporais utilizando o recurso do flashback para retratar uma época e apresentar a psicologia dos personagens através de cenas do passado.
Utilizando o discurso em primeira pessoa, sempre descontraído, o corretor do Deustch Bank, Jared Vennet (Ryan Gosling), vai desenrolando o fio condutor dessa narrativa. É ele o primeiro a perceber a jogada financeira do empresário Michael Burry (Christian Bale), fundador da Scion Capital LLC, empresa de fundo de cobertura, que realizou transações bilionárias contra o mercado imobiliário norte-americano. Ciente da existência de uma bolha especulativa prestes a explodir, Vennet procura Mark Bauman (Steve Carell) para propor um negócio. Do mesmo modo, Charles Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock), dois pequenos empresários que querem ingressar no ISDA (International Swap and Derivatives) – organização que reúne os principais players do mercado de derivados – tem acesso às informações de Vennet e, com a ajuda de Ben Ricket (Brad Pitt), decidem arriscar e apostar alto, na tentativa de lucrar com a crise.
É interessante perceber como os personagens são (des)construídos a partir de estereótipos, como o blefe do contador chinês, gênio da matemática que não sabe falar uma palavra de inglês, apresentado pelo personagem Jared Vennet (Ryan Gosling) para a equipe de investimentos de Mark Bauman (Steve Carell). O próprio Vennet é a encarnação do típico operador financeiro que visa apenas o lucro. E já que estamos em Wall Street, onde não há espaço para escrúpulos, moral e ética quando se negociam com altos valores, para sobreviver a essa “selva de pedra” os empresários e operadores financeiros que mantém algum senso ético são geralmente mostrados como pessoas desequilibradas, instáveis socialmente, que precisam de terapia ou buscam a reclusão. É o caso dos personagens Michael Burry (Christian Bale), Mark Bauman (Steve Carell) e Ben Rickert (Brad Pitt). Enquanto Burry é o típico nerd que tem dificuldades em se relacionar socialmente, fazendo piadas nas horas erradas e descontando toda a sua raiva nos pratos de uma bateria de rock, Rickert faz o tipo esquisitão, que optou por viver longe de Wall Street, e Bauman é o judeu contestador, que tem uma relação de amor/ódio com seu trabalho, vendo o sistema financeiro como uma grande mentira. O personagem de Steve Carell, particularmente, é o retrato da desilusão quando numa conversa com um gerente de investidores do Banco Merrill Lynch descobre como funcionam as negociações com títulos de obrigações de dívida colateralizada, conhecido como CDOs. Os personagens Ben Rickert (Brad Pitt) e, principalmente, Mark Bauman (Steve Carell) carregam nos ombros o pessimismo da situação, dimensionando a tragédia que o colapso do mercado imobiliário norte-americano iria acarretar na vida de bilhões de pessoas em todo o mundo.
Apesar de trabalhar com um tema árido, o filme surpreende pela maneira palatável, criativa, por vezes irônica, e quase didática para contar essa história. Com um ritmo intenso, a narrativa é desenvolvida como num quebra-cabeça, onde as peças vão sendo montadas pouco a pouco, prendendo a atenção do espectador, sem perder em sagacidade, bom humor e com um toque de erotismo. O diretor e o roteirista acertaram ao usar em alguns momentos a quebra da quarta parede, em que os personagens voltam-se para o espectador como a um confessionário para fazer algum comentário pessoal ou explicar como surgiu a “bolha” no mercado de títulos hipotecários norte-americano. Quem imaginaria, por exemplo, a atriz Margot Robbie tomando champanhe num banho de espuma e explicando conceitos como subprime e triplo-A? ou que a cantora Selena Gomez, junto com o economista Richard Taler (phD), explicasse de modo bem prático e simples como surgiram os CDOs sintéticos, num cassino em Dallas? Também são utilizados diversos recursos sonoros e visuais para descomplicar conceitos financeiros como subprime, dumb money e CDS, entre outros.
Como numa mesa de blackjack, o espectador vai descobrindo junto com os personagens cada lance desse emaranhado econômico e suas implicações na vida dos cidadãos comuns que sonharam com a compra de um imóvel. Vislumbrando os fatos futuros como profetas do apocalipse, os personagens se deparam com a revelação de que o mercado de títulos hipotecários era fraudulento e que a “cegueira” das agências de classificação de risco, dos bancos e do governo não era à toa. Entretanto, em Wall Street as crises de consciência não são o forte dos investidores, muito menos do governo, e o rescaldo do colapso financeiro cairia sobre os mais desprotegidos, como os pobres e os imigrantes. Em certas passagens do filme o espectador se depara com mensagens de grandes pensadores, como a do norte-americano Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens: 1835 – 1910), que diz: “O que nos causa problemas não é o que não sabemos. É o que temos certeza que sabemos e que, no final, não é verdade”. O diretor optou não somente por contar uma história real, mas nos fazer refletir sobre as consequências de cada ato e duvidar sempre das certezas absolutas. Um alerta de que as crises são cíclicas e que a história pode se repetir novamente.
O filme venceu, no dia 23 de janeiro, o prêmio do Sindicato dos Produtores dos Estados Unidos (PGA), superando os apontados como favoritos “O Regresso”, que venceu o Globo de Ouro, e Spotlight. A Grande Aposta foi indicado ao Oscar 2016 em cinco categorias: melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Christian Bale), roteiro adaptado e montagem. A cerimônia de premiação do Oscar acontece no dia 28 de fevereiro, em Los Angeles.
Elisabete Estumano Freire.
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