Era uma vez um menino curioso, que vivia em Memphis, Tennesee, um dos estados sulistas mais racistas dos Estados Unidos. Apesar de ser branco, não tinha preconceito de cor e amava seus amigos, a música e a cultura afro-americana, incorporando os seus ritmos nas suas composições e em sua dança. Talentoso, às vezes rebelde e um tanto ingênuo, ele tinha um sonho: viver de música e dar conforto para sua família. É esse o retrato do homem, e não apenas do mito, que o diretor Baz Luhrmann faz questão de colocar nas telas do cinema em seu novo filme Elvis, que estreia dia 14 de julho nos cinemas brasileiros.
Estrelado por Austin Butler, que interpreta o Rei do Rock, e Tom Hanks, no papel do controverso empresário Tom Parker, que controlou a carreira de Presley por mais de 20 anos, o filme mostra a ascensão meteórica do ídolo e, ao mesmo tempo, sua enorme fragilidade. Além da direção, Luhrmann assina a produção, o argumento (em parceria com Jeremy Doner) e o roteiro, que também contou com a colaboração de Jeremy Doner, Sam Bromell e Craig Pearce.
A narrativa do filme apresenta um Elvis imaturo, que buscava agradar a todos, filho de um pai fragilizado e totalmente dependente do excessivo controle de sua mãe. Um jovem como outro qualquer de sua idade, porém com um enorme talento, retratado no roteiro com um dom quase sobrenatural, e que ansiava por novas experiências. A musicalidade e o carisma de Elvis chamou atenção do empresário Tom Parker, que buscou seduzir o jovem para conduzi-lo numa carreira de sucesso, mas controlando todos os seus passos. O filme de Luhrmann mostra a trajetória de ascensão de Elvis, sempre repleta de conflitos. Acusado de incitar a luxúria nas mulheres, requebrando e cantando como os negros, os políticos e religiosos racistas do Teneesee perseguiram o ídolo. Como consequência veio a obrigatoriedade de servir ao exército para treinar na Alemanha, a morte da mãe e a completa dependência de Elvis a Parker.
A interpretação de Austin Butler impressiona, não somente pela semelhança de alguns traços ou pelo trabalho corporal e musical, mas sim pela carga emocional que ele dá ao personagem Elvis. Por outro lado, Tom Parker, encarnado por Tom Hanks, é o típico vilão que nos causa certa simpatia. É ele o narrador da história e, por isso mesmo, é dele o ponto de vista. Talvez a figura de Parker não passe de um narcisista perverso, que só se importa com os lucros que terá com sua vítima, ou apenas um homem fragilizado por seus vícios que tenta sobreviver e se dar bem. A decisão desse veredicto cabe ao espectador.
O ponto alto do filme é, com certeza, o capricho na montagem. Aclamado por sucessos como Romeu e Julieta, Moulan Rouge e O grande Gatsby, Luhrmann desta vez não carrega muito no musical, apesar de realizar a cinebiografia do Rei do Rock. Ele parece estar mais interessado em enfatizar o drama humano vivido pelo ídolo. O reforço aqui se dá no aspecto ilusionista da história de Elvis, proporcionada pela figura do seu empresário Tom Parker. A cena do salão de espelhos no parque de diversões é a representação máxima desse mundo de sonhos, que encanta, embriaga, mas engana. Tudo é fulgaz, tudo é ilusão.
Interessante como o cineasta performa uma mistura dos gêneros ficcional e documental, com imagens reais e ficcionais, reconstruindo momentos icônicos. Lançando mão da linguagem do videoclipe e dos quadrinhos, realiza uma edição criativa conjugando trechos musicais com cenas dos shows, abusando do recurso de envelhecimento das imagens, recortando a tela em vários quadros. O cineasta brinca com nossa percepção dos sentidos. Por vários minutos o espectador se vê na árdua ou grata missão de tentar identificar, dentro de um mosaico veloz de imagens, as cenas documentais distinguindo-as das reproduções ficcionais. É como se Luhrmann quisesse nos relembrar que, assim como Elvis, nós também vivemos nesse mundo de ilusão. Imersos na sala escura do cinema, tentando separar o que é real do irreal, sem perceber que tudo não passa de recorte e representação de uma realidade.
O roteiro destaca a capacidade criativa de Presley de superar barreiras e se reinventar. Contestador por natureza, ele sempre surpreendia e era, muitas vezes, imprevisível.
Contudo, se Elvis vendia uma ilusão do mundo, ele também era sua própria vítima. Seu conturbado relacionamento com Priscilla é retratado como uma história de amor interrompida. Sugado pela fama, pelos vícios e pelo medo, o astro se viu preso numa teia de negociações contratuais escusas que tiraram sua liberdade e foram determinantes para o fim de seus dias.
Elisabete Estumano Freire.
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